A mecânica das palavras.

As palavras são como engrenagens que na medida que são inseridas na máquina da vida, com suas magnitudes e densidades, fazem girar esta necessidade louca de se comunicar.


Precisamos falar.
Precisamos falar, escrever, botar pra fora.

Nem sempre se expressa o melhor dos verbos, das ações, dos torques. As vezes sai uma transferência da potência comunicativa com um desperdício danado, vezes com dissipação excessiva de calor (no calor das emoções), vezes com uma peça sem lubrificação (na ignorância), ou até mesmo com o eixo torto (mal da cabeça, empenado).

Sem precisão.
Com precessão.

Na medida que a cultura amansa e a máquina ganha novos recalques e ajustes, determinadas palavras, ops, engrenagens perdem a importância, ou melhor: capacidade de transferir sua potência original.

A cultura muda.
A potência curva.

O processo de envelhecimento da palavra tem uma dinâmica de primeira ordem, que está em função da cultura, que está em função do culto, que, de forma composta, compõe seu decaimento, sua dinâmica natural, transitória.

O culto se transforma.
A palavra se deforma.

Observem a engrenagem "mito". Já foi uma engrenagem tão bela. O mito da caverna, de Sísifo ou de Er. O mito contra a ignorância. O mito da alegoria, da mitologia, da potência de ter todos os seus átomos em função, significância e significado. Hoje tornou-se uma engrenagem superficial, efêmera, pobre, vulgar, dissipada, utilizada para caracterizar eixos, ou melhor, pessoas que destroem máquinas, desregulam tudo, deslubrificam, aquecem, empenam outros eixos e conexões.

O mito de hoje é fratricida.
Mito genocida.

Os superlativos, como forma de expressão matemática e mecânica, também potencializam o envelhecimento das engrenagens. A necessidade da comunicação, aliada a falta de conhecimento das outras engrenagens, distorce o próprio conceito original da palavra, ou melhor, da engrenagem.

A ignorância está estrutural.
A estrutura está anti-natural.

As engrenagens começam a ser transferidas de lugar. Do nascimento para a morte. Para a total perda de significado. Para sua vulgarização, seu excesso, imprecisão, para o desprezo.

E as engrenagens em sua volta?
Morrer é o único caminho?

Quando uma palavra perde sua capacidade de transferir a potência original, restam duas alternativas: substituir ou restaurar a engrenagem. A substituição cria uma nova palavra que poderá morrer para um dia ser novamente substituída ou restaurada.

A esperança da restauração.
O otimismo no renascimento.

Já a restauração cria resistência, cria evolução, que revoluciona o eixo e se lubrifica com a Verdade, com o conceito: que é derivado da essência, que deriva do amor. E com o desenvolvimento de novos materiais que fortalecem as palavras, os eixos voltam às origens, à gênese, ao princípio.

A origem de tudo é epifania.
A essência interna é teofania.

A transferência de potência na palavra restaurada está então em seu ponto ótimo. Torque perfeito encontrado e derivado a partir da condição inicial nula, do zero, da origem cartesiana. No simples e no complexo, no primário e no primaz, no real e no imaginário.

No primitivo.
No intuitivo.

Então, finalmente, manter-se no estado de funcionamento perfeito da engrenagem, na perfeita conservação de energia... com fluidez, sem atrito, sem resistência do ar, sem ferrugem, sem salitre, sem desgaste: é o mundo ideal e, para tal, é preciso utilizar a origem de todos os lubrificantes, a melhor matéria-prima do universo, o material mais perfeito em todas as suas verdadeiras formas: o amor.

Do pequeno ao infinito.
Do zero ao colossal.

Se houvesse o uso intensivo do amor, as engrenagens se tornariam peças que transformariam as máquinas em outras engrenagens complexas, que criariam sistemas mais complexos nos quais a verdadeira potência, um dia, talvez, possa ser transferida sem a obsolescência, limitação e densidade típica do sistema, ainda selvagem, das engrenagens (e máquinas) que caminham para a morte.

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