O sucesso humano é avaliado por métodos primitivos.

Aleatoriamente leio um desabafo de uma amiga nas redes sociais: “como assim, a perda de um jogo fez o técnico ser demitido?”, independente de outras nuances que motivaram a demissão do técnico, algo mais profundo foi captado por ela: a sociedade é imediatista, os indivíduos são imediatistas.



O imediatismo é uma postura primitiva por natureza. Se relaciona com a racionalidade a mera luz da ignorância, e o pior: o imediatismo está no futebol, no trabalho, na política, e, consequentemente, em todas as relações sociais.

Por que postura primitiva?
Por não levar em consideração a consequência dos atos, tampouco suas implicações futuras, portanto, o irracional a longo prazo é o primitivo no presente.

De acordo com o teorema fundamental da teoria das probabilidades, a Lei dos Grande Números diz: “quanto mais tentativas são realizadas, mais a probabilidade da média aritmética dos resultados observados se aproximar da probabilidade real”. O que implica afirmar que a chance real da competência, habilidade ou sucesso de alguém ser mensurada, depende da quantidade de amostras (ou de eventos) que se tem, ou seja, muitos casos dependem do tempo para que as coisas aconteçam e possam ser verdadeiramente avaliadas.

O imediatismo parece racional, só que, matematicamente, em termos reais: é burro.
Leis são leis, não temos pra onde fugir. A probabilidade é uma das leis que regem o mundo, não há de haver muitas discussões em torno, há de se estudar para compreender os fatos. Assim, segundo seu decodificador, o brilhante matemático Bernoulli: “Não deveríamos avaliar as ações humanas com base no resultado”.

O Andar do Bêbado - Leonard Mlodinow

A competição

Rankings, notas e avaliações, quando não respeitam a Lei dos Grande Números, também não apresentam fidedignamente o que se propõe. Em uma prova, para se avaliar o conhecimento do aluno numa determinada competência, precisaríamos de muitos exercícios, em diversos níveis, para se ter uma média próxima do real; o que não dá para ser feito em duas horas.

A nota, ou um resultado, é uma medição, um número, e está sujeito a uma outra lei: A Lei dos Erros. A nota não é uma descrição do grau de qualidade, e como qualquer outra medição, está sujeita a variações, portanto não reflete a realidade do valor do conhecimento. Como toda competição é baseada em números e classificações, e estes fatores não levam em consideração fenômenos probabilísticos, como a regressão à média (importantíssimo no aprendizado), a competição, por si só, é um irrefutável erro.

Esse tipo de comportamento primitivo reforçado diariamente pela sociedade, atrapalha muito mais do que ajuda, pois, existe um modelo padrão no comportamento humano, observado por Adolphe Quételet, que deu continuidade a inovadora Física Social de Auguste Comte, que mais tarde veio se chamar Sociologia. Sim, a Sociologia veio da Física Social.

Rankear e classificar pessoas como piores, fazem com que elas se tornem piores, como comprova os estudos feitos pelos professores Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, “Teacher’s expectancies, determinants of pupil’s IQ gains”, Pyschological Reports, n. 19, ago 1966, p. 115-8. (Esperanças do professor, determinantes dos ganhos de QI do aluno). [1]

A competição deve ser extinta das nossas escolas e universidades. O conceito de sucesso, assim como a mensuração de habilidades e competências precisam ser reformados. Os métodos primitivos, violentos e exclusivos precisam ser substituídos por leis universais que, na medida certa, propiciarão um desenvolvimento intelectual mais saudável às pessoas. O imediatismo precisa dar lugar a paciência, tolerância e resignação. A prática leva a perfeição, e alguns países levam isso a sério:

(…) uma prática fundamentada numa crença já conhecida da Federação Alemã de Futebol e replicada em diversos outros lugares de sucesso no mundo: se deseja que um trabalho dê frutos, então dê tempo para que este trabalho seja feito. [2]

Se o atual técnico da Alemanha, após longos oito anos sem nenhum título, fosse demitido, talvez a Alemanha não chegasse a ser campeã da Copa do Mundo e o Brasil não tomasse o vergonhoso 7 x 1.

E então, vamos pensar mais a longo prazo?

[1] - https://pdfs.semanticscholar.org/edcd/53346e852557dce0085f6cddd7e6bf6abba7.pdf
[2] - https://papodehomem.com.br/joachim-low-renova-com-selecao-da-alemanha/

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6 comentários:

  1. Gostei! Excelente e necessária reflexão sobre um dos pontos tortos da delirante sociedade em q vivemos! Não vislumbro, entretanto, quando nesta sociedade será possível esperar outra forma de atuação.
    Parabens pelo texto, Man!

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    1. Obrigado, Janis! Acredito no trabalho formiguinha... dia após dia elucidando e quebrando esses paradigmas que, infelizmente, estão enraizados em nossa cultura!
      Firme e forte, a luta continua por um mundo melhor!

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  2. Desfragmentar a mente é coisa de louco, vc sabe né???? Rapaz é muita onda seu texto... Fico sempre a refletir sobre como classificar a nós meros mortais, brasileiros, que vivemos a discutir nada com porra menhuma, e ainda não conseguir encontrar outra palavra: "burrice". Nossas atitudes, baseadas nessas discussões improdutivas, sempre pensando no aqui e agora, me leva a ter a certeza de ie nossos filhos pouco nos importa, quem dirá nossos netos.Já em se tratando de competição, julgo que competir da forma como fazemos é a demonstração de como pensamos EDUCAÇÃO. Mensurar habilidades e talentos, como vc diz, é o ápice da nossa burrice. O conceito de tudo está na criança Man. Estou tendo a experiência de ministrar pra alunos de 1,5 a 3. Eles sabem das coisas parceiro... Então é isso "véi", vc broca mesmo e estou contigo. IRAN!!!

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    1. kkkkkkkkkk, valeu grande Iran, tamo junto! um mega abraço, irmão!

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  3. Que belo texto, meu amigo! É uma reflexão bastante sensível fruto de uma visão muito apurada sobre o momento e o contexto histórico da nossa realidade. Penso que na medida em que desenvolvermos um senso de observação mais apurado, tivermos mais conhecimento e formos mais reflexivos, desenvolvendo uma capacidade analítica, mais nós, enquanto sociedade, iremos perdendo essa característica imediatista para sermos construtores de bases sólidas para as nossas ações e opiniões.
    Penso até que a verdadeira intenção dos cartolas do futebol ao demitir o técnico é acalmar a torcida, a grande massa, culpabilizando alguém pelo fato do time ir mal e garantindo o público fiel para as próximas partidas, que vão ver o time perder de novo, mas que vão se conformar com a desculpa de que o técnico está chegando, ainda está se adaptando. E no futuro aquele mesmo técnico que foi demitido será contratado novamente, e será recebido com festa pela torcida imediatista e assim segue o rentoso mundo de sonhos e fantasias do futebol.
    Nas escolas os alunos são avaliados com base em uma prova, um momento pontual, e quando se diz que não tem mais semana de provas, os colegas Professores ficam chocados, perdidos mesmo. E quando vem a determinação de que não vai ter mais notas, é uma celeuma. E quando acaba a reprovação, é o caos. Pura falta de habilidade em sair da sua zona de conforto, abandonar o imediatismo e plantar o seu trabalho em bases sólidas. Os pais e as mães mensuram o desenvolvimento dos seus filhos pelo do filho do vizinho, comparando crianças que muitas vezes são totalmente diferentes.
    E as crianças, os adolescentes e os jovens então, precisam ter a roupa de marca, o celular do momento, o jogo recém lançado, tem que ir pra o show do artista do momento. Tudo é pra já, tem que ser agora. Se o celular está demorando de funcionar então bate ele na parede, se ele trava então, é porque "ele gosta de apanhar".
    Muito tempo e muito esforço então pra mudar essa mentalidade imediatista e de avaliações pontuais. Mas com reflexão, conhecimento, ponderação é um bocado de paciência a gente consegue.
    Parabéns pelo texto!

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    1. Amei seu depoimento! Muito obrigado pela troca, minha amiga!!

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