Ser solidário, partidário ou ser otário?

Ontem, ao pedir um salgado na lanchonete do IM (Instituto de Matemática / UFBA), um velho ao ler o que tinha estampado na minha camisa, perguntou:
– Engenharia popular e solidária? Como assim? Você é cotista?
Respondi sem expressar nenhum julgamento, com um semblante e tom de voz ainda amigável:
– Não, estudei numa deficiente escola particular em Cajazeiras, um dos bairros mais pobres de Salvador, já ouviu falar?



– Já, Cajazeiras virou uma cidade... como assim engenharia solidária? Que engenharia você faz?
– Elétrica. O solidarismo está em levar o conhecimento das engenharias, que é uma área estupidamente elitista, para as favelas... tornar acessível para as pessoas. Principalmente as que mais precisam, torná-la popular e desmistificar...

Neste momento ele interrompeu meu discurso de forma nada educada:
– Você é petista?
– Não, qual a relação disso com o PT?
– Essa ideia de ser solidário é coisa do PT.

Pronto.
Acabou ali.

Neste exato momento, saí do estado agregador e solícito e me rendi a violência. Não a violência física, a pior de todas: a violência psicológica. Um monstro destruidor de almas irracionais surgiu, e perguntou:

– Você está me dizendo que a palavra "solidário" é algo de um partido?
– Sim, o PT que usa...

Interrompi. Agora é minha vez :)

– Não, não, não.... as palavras não têm partido, muito menos as posturas. Isso não faz nenhum sentido... então você está me dizendo que as organizações sociais, as igrejas, os centros espíritas, os missionários, o Papa, são petistas? As pessoas que pensam em ajudar as outras, são obrigatoriamente petistas?

Neste momento olhei pro rapaz da lanchonete: um jovem, com seus vinte e poucos anos, com cara de embaraçado e sem querer tomar lado. Meu olhar incluiu ele no debate... foi engraçado. Então, o velho respondeu:

– Essa conversa de ajudar os outros é coisa do PT...
– Não, jamais, é conversa de gente que se importa com gente. Não sou petista, não votei no PT, nem penso em votar... ser solidário não tem nada a ver com partido, é um estado de espírito. Seu pensamento está absurdamente equivocado. Você está sendo vítima de uma polaridade babaca, estúpida... entre lado A e lado B, coisa de gente mesquinha, que não pensa, massa de manobra. Até se você falasse que tem a ver com o partido Rede Solidariedade, faria mais sentido (estampei um riso irônico com um olhar destruidor de alma). Ainda assim, seria muita estupidez. Você já ouviu falar nesse partido? sabe da existência dele? Aliás você já estudou política alguma vez? parece que não, é mais fácil uma porta saber...
– Você sabe quantos anos eu tenho? Eu tenho 56 anos...
Não me interessa quantos anos você tem, você está sendo burro. Estar burro não tem relação com idade, tem relação com raciocínio, visão, enxergar as coisas, questionar, pesquisar, refletir... experiência de vida é papo pra quem não tem argumento lógico. Seu argumento não tem a menor lógica, eu sou a prova disso, não sou petista e tento ser solidário. Esse papinho de idade é pra gente imbecil.

Calei a boca.
Ficou aquele baita climão.
Dois segundos se passaram, e continuei:

– Sinto muito, mas você aparentemente tem um cérebro elástico, e o que estou falando encaixa com a parte lógica e racional que ainda resta aí, infelizmente eu não posso continuar esse papo porque eu tenho coisas mais interessantes e produtivas a fazer.

Dei as costas e saí com passos rápidos. O velho ficou sem reação, parecia puto e assustado ao mesmo tempo, depois de alguns passos, com um sorriso sem graça na cara, ele gritou:

– Você vai domingo?
(Acho que domingo vai ter passeata anti-PT, a favor do PT, sei lá. Não sei... também não me interessa)
Gritei de volta:
– Não, domingo vou estudar, já disse que tenho mais o que fazer.

Foda-se o velho otário e todos que pensam da mesma maneira.

Há muito tempo eu precisava expurgar essa polarização política babaca na qual vivemos, acho que consegui. E que mais momentos como esse se repitam, ou não.

2 comentários: