A novela da doação de cabelo.

Quero deixar claro o quanto sou reticente e reservado quanto à caridade, pra não dizer que odeio me expor. O que a mão direita dá a esquerda não fica sabendo. Também mantenho certa resistência quanto a comentários que glorificam, louvam ou elogiam demais o que eu fiz. Fazer o bem é nossa obrigação. Não sou altruísta, bondoso, abnegado. No máximo posso considerar-me desprendido e um egoísta com outra visão.

27 de fevereiro de 2014. Dia do corte ou do plantio?

Há muito tempo eu pensava em doar meu cabelo, até que um dia me veio à lembrança da existência do GACC (Grupo de Apoio a Crianças com Câncer). Onde mais o cabelo poderia ter tanta serventia?

Um dia tomei coragem e fui lá saber como funcionava a dinâmica das doações. Fui atendido por Mariza, a pessoa quem cuida da Coordenação de Voluntariado, um ser especial. Ela me informou, que até aquele momento não existia um setor/alguém responsável por isso.

Descobri outras coisas interessantes:
× As crianças, de certo modo, curtem ficar carequinhas. O mesmo não ocorre com pacientes na fase da adolescência.
× Não há muita doação de cabelos. Acontece muita doação de bonés/lenços/bandanas. (Respirei fundo e segurei meu ímpeto de relacionar aquilo com o sistema vigente: prático e publicitário.)
× Pessoas cortam o cabelo e entregam lá. Não providenciam a confecção de uma peruca, nem tanto o GACC tem essa possibilidade. Às vezes entra-se num impasse: não autorizam a venda do cabelo pra reverter o dinheiro pra instituição, não fazem a peruca, e o cabelo fica lá.

“Se cabelo fosse bom os verme comia” (sic) – ouvi algo parecido em algum lugar.

Visitei a instituição, enxerguei o carinho que eles têm com a causa e saí de lá com a promessa que voltaria com a peruca pronta. Isso foi no final de Janeiro, desde lá vinha procurando locais/pessoas que trabalhassem com isso por recomendação. Até que cansei e, do nada, fui no Orixás Center. (O lugar onde mais tem cabelo na cidade)

Andei por tudo, orcei e vi a diferença de preços que variaram entre R$ 350 e R$ 200. Em toda loja perguntavam o porquê eu não iria vender e pra quê eu iria fazer uma peruca, então, eu dizia meu objetivo. Ao ouvir a resposta as pessoas falavam:
– Noooossa, que bonito. Muito lindo da sua parte. (me olhando com aquela cara de quem vê um Buda)
– Não vejo muita coisa nisso, acho normal.
– Ah, mas é. Você poderia vender, mas não... quer doar pra uma instituição de caridade. Quer fazer o bem...
– Certo, qual o trabalho que eu tenho em doar cabelo? É de graça. Qual o mérito eu tenho nisso?
(alguns segundos de reflexão)
– Se eu pudesse doar unha, eu doaria. Entendo as pessoas que vendem, cada um faz o que quer; também não acho nada demais no que estou fazendo. Não é porque todo mundo faz, que meu ato de doar (algo que eu consigo de graça), passa a ser louvável.
Momentos de reflexão.

Alguns insistiam em querer comprar meu cabelo, insistiam que era melhor converter o cabelo em dinheiro, e o dinheiro em doação. Não, não quero. Que tal diminuir o dinheiro dessas relações? O que eu queria fazer era muito mais simbólico do que financeiro, transcende o entendimento capitalista de alguns.

O boato do garoto bom, generoso e mandado dos céus se espalhou pelos lojistas. Até que fui chamado por Seu Roque e Dona Marlene, que gerenciam o salão de beleza Coração de Jesus. A proposta deles foi a seguinte: fariam a peruca sem lucrar nada. O valor cobrado pela profissional era de R$ 100, eu pagava e teria a peruca. Fechado.

Dona Marlene, Seu Roque e eu.


Organizei-me e no dia 27 de fevereiro fui com minha mãe cortar o cabelo. Levei comigo uma mecha que guardara de outro corte, anos atrás, pra completar o volume da peruca caso faltasse. Efetuei o pagamento e deixei minhas madeixas, me sentindo 5 quilos mais leve.

Eu nunca vi tanta coisa dar errado pra fazer essa peruca – falava dona Marlene quando eu ligava pra perguntar. Muitos meses se passaram, veio o carnaval, o pai da menina que fazia a peruca faleceu, acabou a tela de base da peruca preta no fornecedor, só tinha cinza. E nada da peruca ficar pronta. Marlene, inclusive, cogitou a possibilidade que eu desistisse. De jeito maneira

Ontem, do nada, liguei pra saber se a peruca estava pronta. Finalmente estava. Não tinha me programado, mas fui lá. Como nada é por acaso, dona Mirian entrou na história. Contou-me sua trajetória. Falou-me da sua irmã mais velha, Carmen Lúcia, que havia sido diagnosticada com a doença, acabara de raspar a cabeça e estava muito debilitada. Ela então, foi ao Orixás pra comprar uma peruca e se deu de cara com a minha. Ficou impressionada o quanto o meu cabelo parecera com o da sua irmã e estava ali para ver o que eu poderia fazer.

Eu havia acertado com o GACC e teria de cumprir, porém, criei uma obrigação moral com Mirian. Combinamos então de fazer o seguinte: minha peruca ia pra irmã dela, ela doava uma pro GACC, comprava no salão Coração de Jesus, e todo mundo saia ganhando; apesar de se tratar da vida de pacientes em processo de cura.

O pessoal do salão fez um preço ótimo. Fomos no GACC hoje entregar a peruca e contar a história. Dona Mirian prometeu que quando a irmã dela se curar, ela doará também e a corrente se alimentará.

A menina que ficou responsável por destinar a doação, Mariza, eu e a peruca.

Mirian e Mariza assinando os trâmites.


Deixei toneladas de cartões do salão no GACC, eles estão dispostos a ajudar todo e qualquer paciente que chegue precisando do serviço, cobrando bem menos. O GACC já tem um lugar pra indicar quando alguém for doar cabelo, Mirian levou a peruca pra irmã dela e eu consegui o que queria.

O GACC prometeu enviar fotos do adolescente contemplado pela doação e a irmã de Mirian disse que quando ficar boa quer me conhecer. Laços do bem foram formados e eu tive o prazer de participar disso.

Com isso, deixo meu apelo: questionem o valor das coisas. Doem o que vocês puderem doar, ajudem quem vocês puderem ajudar, sem distinção. Façam, participem, ajam! Eu nunca imaginei que isso tomaria uma proporção dessas, é a bola de neve do bem ganhando força.

Repito: não me venham com comentários de louvor, eu não presto, não valho nada. “O meu egoísmo é tão egoísta, que o auge do meu egoísmo é querer ajudar.” (Raul Seixas)


GAAC
www.gaccbahia.org.br - (71) 3399-2000
Procurar Mariza - Coordenação de Voluntariado

Salão Coração de Jesus
Orixás Center, loja 08, piso B. (71) 3329-1113
Falar com Marlene ou Roque (eles são da Igreja Batista)

A biblioteca e a brinquedoteca, a direita tem a sala de música. VALE MUITO A PENA conhecer o trabalho do GACC, eles têm uma estrutura FANTÁSTICA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário